Deve ser deferido pedido de intervenção federal quando verificado o descumprimento pelo Estado, sem justificativa plausível e por prazo desarrazoado, de ordem judicial que tenha requisitado força policial (art. 34, VI, da CF) para promover reintegração de posse em imóvel rural ocupado pelo MST, mesmo que, no caso, tenha se consolidado a invasão por um grande número de famílias e exista, sem previsão de conclusão, procedimento administrativo de aquisição da referida propriedade pelo Incra para fins de reforma agrária. Intervenção federal é medida de natureza excepcional, porque restritiva da autonomia do ente federativo. Daí serem as hipóteses de cabimento taxativamente previstas no art. 34 da CF. Nada obstante sua natureza excepcional, a intervenção se impõe nas hipóteses em que o Executivo estadual deixa de fornecer, sem justificativa plausível, força policial para o cumprimento de ordem judicial. É certo que a ocupação de grande número de famílias é sempre um fato que merece a consideração da autoridade encarregada da desocupação, mas não é em si impeditiva da intervenção. Ademais, a suposta ocupação por considerável contingente de pessoas pode ser resultado da falta de cumprimento da decisão judicial em tempo razoável. No estado democrático de direito, é crucial o funcionamento das instituições; entre elas, os órgãos do Poder Judiciário. A inércia do Estado-executivo em dar cumprimento à decisão do Estado-juiz enfraquece o Estado de direito, que caracteriza a República brasileira. Precedente citado: IF 103-PR, DJe 21/8/2008. IF 107-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2014.
Não cabe o resgate, por participante ou assistido de plano de benefícios, das parcelas pagas a entidade fechada de previdência privada complementar quando, mediante transação extrajudicial, tenha ocorrido a migração dos participantes ou assistidos a outro plano de benefícios da mesma entidade. A Súmula 289 do STJ (“A restituição das parcelas pagas pelo participante a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda”) trata de hipótese em que há o rompimento do vínculo contratual com a entidade de previdência privada, e, portanto, não de situação em que, por acordo de vontades, envolvendo concessões recíprocas, haja migração de participante em gozo do benefício de previdência privada para outro plano, auferindo em contrapartida vantagem. Ademais, os arts. 14, III, e 15, I, da LC 109/2001 esclarecem que a portabilidade não caracteriza resgate, sendo manifestamente inadequada a aplicação deste instituto e da Súmula 289 para caso em que o assistido não se desligou do regime jurídico de previdência privada. Dessarte, nos termos de abalizada doutrina, a migração – pactuada em transação – de planos de benefícios administrados pela mesma entidade fechada de previdência privada ocorre em um contexto de amplo redesenho da relação contratual previdenciária, com o concurso de vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência complementar, por meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia do órgão público fiscalizador, operando-se não o resgate de contribuições, mas a transferência de reservas de um plano de benefícios para outro, geralmente no interior da mesma entidade fechada de previdência complementar. Ora, se para a migração fosse aplicada a mesma solução conferida ao resgate, essa solução resultaria em tratamento igualitário para situações desiguais, em flagrante violação à isonomia. Outrossim, estabelece o art. 18 da LC 109/2001 que cabe ao plano de benefícios arcar com as demais despesas – inclusive com o resgate vindicado –, por isso não cabe ser deferido o resgate das contribuições vertidas ao plano, sob pena de lesão aos interesses dos demais assistidos e participantes do plano de benefícios primevo a que eram vinculados, e consequente violação ao art. 3º, VI, da LC 109/2001. O CDC traça regras que presidem a situação específica do consumo e, além disso, define princípios gerais orientadores do direito das obrigações; todavia, "[é] certo que, no que lhe for específico, o contrato" continua regido pela lei que lhe é própria. (REsp 80.036/SP, Quarta Turma, DJ 25-3-1996.) Desse modo, em conformidade com entendimento doutrinário, não cabe a aplicação do CDC dissociada das normas específicas inerentes à relação contratual de previdência privada complementar e à modalidade contratual da transação – negócio jurídico disciplinado pelo Código Civil, inclusive no tocante à disciplina peculiar para o seu desfazimento. AgRg no AREsp 504.022-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/9/2014.
Não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por alienação fiduciária de bem não essencial à atividade empresarial. O art. 49, caput, da Lei 11.101/2005 estabelece que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Por sua vez, o § 3º do mesmo artigo prevê hipóteses em que os créditos não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial, entre eles, os créditos garantidos por alienação fiduciária. A jurisprudência do STJ, no entanto, tendo por base a limitação prevista na parte final do § 3º do art. 49 – que impede a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial – e inspirada no princípio da preservação da empresa, tem estabelecido hipóteses em que se abre exceção à regra da não submissão do crédito garantido por alienação fiduciária ao procedimento da recuperação judicial. De acordo com a linha seguida pelo STJ, a exceção somente é aplicada a casos que revelam peculiaridades que recomendem tratamento diferenciado visando à preservação da atividade empresarial, como, por exemplo, no caso em que o bem dado em alienação fiduciária componha o estoque da sociedade, ou no caso de o bem alienado ser o imóvel no qual se situa a sede da empresa. Em suma, justifica-se a exceção quando se verificar, pelos elementos constantes dos autos, que a retirada dos bens prejudique de alguma forma a atividade produtiva da sociedade. Caso contrário, isto é, inexistente qualquer peculiaridade que justifique excepcionar a regra legal do art. 49, § 3º, deve prevalecer a regra de não submissão, excluindo-se dos efeitos da recuperação judicial os créditos de titularidade da interessada que possuem garantia de alienação fiduciária. CC 131.656-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/10/2014.
Nos contratos de financiamento celebrados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), sem cláusula de garantia de cobertura do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), o saldo devedor residual deverá ser suportado pelo mutuário. A previsão do saldo devedor residual decorre da insuficiência das prestações pagas pelo mutuário em repor o capital mutuado, pois o reajuste das prestações vinculadas aos índices aplicados à categoria profissional nem sempre acompanha o valor da inflação, o que cria um desequilíbrio contratual capaz de afetar, em última análise, a higidez do próprio sistema de financiamento habitacional. Ao lado de tal circunstância, destaca-se o fato de que o art. 2º do Decreto-Lei 2.349/1987, legislação específica sobre a matéria, é claro a respeito da responsabilidade dos mutuários pelo pagamento do saldo devedor residual: “Nos contratos sem cláusulas de cobertura pelo FCVS, os mutuários finais responderão pelos resíduos dos saldos devedores existentes, até sua final liquidação, na forma que for pactuada, observadas as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”. Precedentes citados: AgRg no AREsp 282.132-PB, Terceira Turma, DJe 7/3/2014; e AgRg no AREsp 230.500-AL, Quarta Turma, DJe 28/10/2013. REsp 1.447.108-CE e REsp 1.443.870-PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/10/2014.
Desde que redigida em estrita obediência ao previsto na legislação vigente, é válida a cláusula contratual que prevê prazo de carência para resgate antecipado dos valores aplicados em título de capitalização. Inicialmente, importante salientar que a estipulação de cláusula de carência para resgate visa proteger os recursos da capitalização, a fim de impedir que a desistência de algum dos aderentes prejudique os demais detentores de títulos dentro de uma mesma sociedade de capitalização, impedindo o cumprimento de obrigações previstas pela companhia como, por exemplo, o pagamento da premiação por sorteio. Deve-se ter em mente que o desfalque repentino do plano, caso não haja cláusula estipulando a carência, poderá impossibilitar o funcionamento das sociedades, prejudicando os demais detentores de títulos de capitalização e colocando em risco a própria atividade econômica. Analisando detidamente os dispositivos que regulamentam a matéria (art. 71, § 1º, da CNSP 15/1992 e art. 23, §§ 1º e 2º, da Circular Susep 365/2008), nota-se que o primeiro admite, genericamente, a estipulação de prazo de carência; enquanto o segundo, de forma específica, permite a fixação de prazo de carência não superior a 24 meses, contados da data de início de vigência do título de capitalização. Ressalte-se que a validade de cláusula contratual instituidora de prazo de carência pode perfeitamente ser analisada à luz da regulamentação do CNSP e da Susep, desde que sejam respeitados os limites explicitados no ato de delegação respectivo, qual seja, o Decreto-Lei 261/1967. Ademais, eventual lacuna legislativa também pode – e deve – ser suprida pela aplicação do CC e do CDC. O sistema de proteção ao consumidor busca conferir equilíbrio à relação entre consumidor e fornecedor; todavia, não tem por objetivo criar ou proteger situação em que o consumidor leve vantagem indevida sobre o fornecedor. EREsp 1.354.963-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2014.
Havendo dúvida sobre a existência do elemento subjetivo do crime de homicídio, deverá tramitar na Justiça Comum – e não na Justiça Militar – o processo que apure a suposta prática do crime cometido, em tempo de paz, por militar contra civil. De fato, os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça Comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9º, parágrafo único, do CPM. Para se eliminar a eventual dúvida quanto ao elemento subjetivo da conduta, de modo a afirmar se o agente militar agiu com dolo ou culpa, é necessário o exame aprofundado de todo o conjunto probatório, a ser coletado durante a instrução criminal, observados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Dessa forma, o feito deve tramitar na Justiça Comum, pois, nessa situação, prevalece o princípio do in dubio pro societate, o que leva o julgamento para o Tribunal do Júri, caso seja admitida a acusação em eventual sentença de pronúncia. No entanto, se o juiz se convencer de que não houve crime doloso contra a vida, remeterá os autos ao juízo competente, em conformidade com o disposto no art. 419 do CPP. Precedente citado: CC 130.779-RS, Terceira Seção, DJe 4/9/2014. CC 129.497-MG, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), julgado em 8/10/2014.
Nas demandas ajuizadas pelo INSS contra o empregador do segurado falecido em acidente laboral, visando ao ressarcimento dos valores decorrentes do pagamento da pensão por morte, o termo a quo da prescrição quinquenal é a data da concessão do referido benefício previdenciário. De fato, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.251.993-RS (julgado sob o rito dos recursos repetitivos) firmou posicionamento no sentido de que se aplica o prazo prescricional quinquenal, previsto no Decreto 20.910/1932, nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Dessa forma, em respeito ao princípio da isonomia, quando a demanda indenizatória for ajuizada pelo ente estatal contra particular, o prazo prescricional será também o de 5 anos, ou seja, o mesmo aplicado às ações indenizatórias ajuizadas contra a fazenda pública. Ressalte-se que a referida demanda ajuizada pelo INSS, por ser de natureza ressarcitória, não possui qualquer pertinência com as normas previdenciárias. Não se aplicam, assim, os arts. 103 e 104 da Lei 8.213/1991, uma vez que a referida lei regula apenas as relações entre os segurados, seus dependentes e a Previdência Social, não atingindo terceiros que não integram esse específico regime jurídico. Diante disso, o termo a quo da prescrição da pretensão deve ser a data da concessão do referido benefício previdenciário, revelando-se absolutamente incompatível a aplicação da tese de que o lapso prescricional não atinge o fundo de direito. REsp 1.457.646-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 14/10/2014.
A juntada do contrato de honorários advocatícios aos autos antes de determinada a expedição de precatório ou de mandado de levantamento (art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994) não impede que o credor renuncie ao pagamento do montante que lhe era devido, inviabilizando, assim, o pagamento direto ao advogado – por dedução da quantia que seria recebida pelo constituinte – dos honorários contratuais. De início, cita-se o previsto no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994: “Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou”. O § 4º do artigo supracitado, ao condicionar a juntada do contrato de honorários ao momento anterior à expedição do mandado de levantamento ou precatório, pressupõe que o depósito do valor devido à parte triunfante já tenha sido realizado em juízo. Nesse contexto, se o vencedor da lide renuncia ao seu direito de receber o pagamento do crédito antes de ele ser judicialmente depositado não haverá expedição de mandado de levantamento ou precatório e, consequentemente, não há como o juiz determinar que a parcela dos honorários advocatícios seja paga diretamente, “por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte”, ao patrono. Ademais, admitir o contrário faria com que a relação jurídica firmada entre o cliente e o respectivo advogado – mediante contrato de honorários, com cláusulas negociadas estritamente entre eles – se estendesse ao terceiro, o qual sequer pode vir a ter conhecimento do avençado. Com efeito, se o pagamento dos honorários advocatícios contratuais for reconhecido como ato autônomo em relação ao depósito do montante principal – ao ponto de ser viável executá-los sem a existência deste –, o perdedor da lide se tornará diretamente obrigado a arcar com dívida, a qual não lhe foi legalmente imposta nem foi pactuada, porquanto a obrigação da parte mal sucedida na demanda é pagar o que foi reconhecido pelo Judiciário como devido à outra parte, o que inclui os honorários sucumbenciais (mas não os contratuais), cuja “dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte”, repita-se, é incumbência do juiz. Desse modo, a juntada aos autos do contrato de honorários advocatícios não faz com que o montante nele previsto se torne parcela autônoma em relação à quantia a ser recebida pela parte patrocinada. REsp 1.330.611-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 7/10/2014.
Nos casos de dissolução irregular da sociedade empresária, o redirecionamento da Execução Fiscal para o sócio-gerente não constitui causa de exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica. O STJ possui entendimento consolidado de que “Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei” (EREsp 174.532-PR, Primeira Seção, DJe 20/8/2001). Isso, por si só, já seria suficiente para conduzir ao entendimento de que persiste a responsabilidade da pessoa jurídica. Além disso, atente-se para o fato de que nada impede que a Execução Fiscal seja promovida contra sujeitos distintos, por cumulação subjetiva em regime de litisconsórcio. Com efeito, são distintas as causas que deram ensejo à responsabilidade tributária e, por consequência, à definição do polo passivo da demanda: a) no caso da pessoa jurídica, a responsabilidade decorre da concretização, no mundo material, dos elementos integralmente previstos em abstrato na norma que define a hipótese de incidência do tributo; b) em relação ao sócio-gerente, o "fato gerador" de sua responsabilidade, conforme acima demonstrado, não é o simples inadimplemento da obrigação tributária, mas a dissolução irregular (ato ilícito). Além do mais, não há sentido em concluir que a prática, pelo sócio-gerente, de ato ilícito (dissolução irregular) constitui causa de exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica, fundada em circunstância independente. Em primeiro lugar, porque a legislação de Direito Material (CTN e legislação esparsa) não contém previsão legal nesse sentido. Ademais, a prática de ato ilícito imputável a um terceiro, posterior à ocorrência do fato gerador, não afasta a inadimplência (que é imputável à pessoa jurídica, e não ao respectivo sócio-gerente) nem anula ou invalida o surgimento da obrigação tributária e a constituição do respectivo crédito, o qual, portanto, subsiste normalmente. Entender de modo diverso, seria concluir que o ordenamento jurídico conteria a paradoxal previsão de que um ato ilícito – dissolução irregular –, ao fim, implicaria permissão para a pessoa jurídica (beneficiária direta da aludida dissolução) proceder ao arquivamento e ao registro de sua baixa societária, uma vez que não mais subsistiria débito tributário a ela imputável, em detrimento de terceiros de boa-fé (Fazenda Pública e demais credores). REsp 1.455.490-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/8/2014.
A penhora de bem de valor inferior ao débito não autoriza a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa. Isso porque a expedição da referida certidão está condicionada à existência de penhora suficiente ou à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos dos arts. 151 e 206 do CTN. Precedentes citados: EDcl no Ag 1.389.047-SC, Segunda Turma, DJe 31/8/2011; e AgRg no REsp 1.022.831-SP, Primeira Turma, DJe 8/5/2008. REsp 1.479.276-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/10/2014.
O particular que, por mais de vinte anos, manteve adequadamente, sem indício de maus-tratos, duas aves silvestres em ambiente doméstico pode permanecer na posse dos animais. Nesse caso específico, aplicar o art. 1º da Lei 5.197/1967 (“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”) e o art. 25 da Lei 9.605/1998 (“Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos”) equivaleria à negação da sua finalidade, que não é decorrência do princípio da legalidade, mas uma inerência dele. A legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais. Assim, seria desarrazoado determinar a apreensão dos animais para duvidosa reintegração ao seu habitat e seria difícil identificar qualquer vantagem em transferir a posse para um órgão da Administração Pública. Ademais, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.605/1998 expressamente prevê que “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. Precedente citado: REsp 1.084.347-RS, Segunda Turma, DJe 30/9/2010. REsp 1.425.943-RN, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/9/2014.
Não depende de prévio procedimento administrativo a recusa à expedição da CNH definitiva motivada pelo cometimento de infração de trânsito de natureza grave durante o prazo anual de permissão provisória para dirigir (art. 148, § 3º, do CTB). O STJ já se pronunciou no sentido de que o direito à obtenção da habilitação definitiva somente se perfaz se o candidato, após um ano da expedição da permissão para dirigir, não tiver cometido infração de natureza grave ou gravíssima e não for reincidente em infração média, segundo disposto no § 3º do art. 148 do CTB. Assim, a expedição da CNH é mera expectativa de direito, que se concretizará com o implemento das condições estabelecidas na lei. Havendo o cometimento de infração grave, revela-se desnecessária a instauração de prévio processo administrativo, considerando que a aferição do preenchimento dos requisitos estabelecidos pela lei para a concessão da CNH definitiva se dá de forma objetiva. Precedente citado: REsp 726.842-SP, Segunda Turma, DJ 11/12/2006. REsp 1.483.845-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/10/2014.
Na análise de concessão do auxílio-reclusão a que se refere o art. 80 da Lei 8.213/1991, o fato de o recluso que mantenha a condição de segurado pelo RGPS (art. 15 da Lei 8.213/1991) estar desempregado ou sem renda no momento do recolhimento à prisão indica o atendimento ao requisito econômico da baixa renda, independentemente do valor do último salário de contribuição. Inicialmente, cumpre ressaltar que o Estado entendeu por bem amparar os que dependem do segurado preso e definiu como critério econômico para a concessão do benefício a baixa renda do segurado (art. 201, IV, da CF). Diante disso, a EC 20/1998 estipulou um valor fixo como critério de baixa renda que todos os anos é corrigido pelo Ministério da Previdência Social. De fato, o art. 80 da Lei 8.213/1991 determina que o auxílio-reclusão será devido quando o segurado recolhido à prisão “não receber remuneração da empresa”. Da mesma forma, ao regulamentar a concessão do benefício, o § 1º do art. 116 do Decreto 3.048/1999 estipula que “é devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário de contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado”. É certo que o critério econômico da renda deve ser constatado no momento da reclusão, pois é nele que os dependentes sofrem o baque da perda do provedor. Ressalte-se que a jurisprudência do STJ assentou posição de que os requisitos para a concessão do benefício devem ser verificados no momento do recolhimento à prisão, em observância ao princípio tempus regit actum (AgRg no REsp 831.251-RS, Sexta Turma, DJe 23/5/2011; REsp 760.767-SC, Quinta Turma, DJ 24/10/2005; e REsp 395.816-SP, Sexta Turma, DJ 2/9/2002). REsp 1.480.461-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/9/2014.
Na hipótese em que o Tribunal suspenda, por força de ato normativo local, os atos processuais durante o recesso forense, o termo final do prazo prescricional que coincidir com data abrangida pelo referido recesso prorroga-se para o primeiro dia útil posterior ao término deste. A Corte Especial do STJ uniformizou o entendimento de que o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória prorroga-se para o primeiro dia útil seguinte, caso venha a findar no recesso forense, sendo irrelevante a controvérsia acerca da natureza do prazo para ajuizamento da ação, se prescricional ou decadencial, pois, em ambos os casos, o termo ad quem seria prorrogado (EREsp 667.672-SP, DJe 26/6/2008). Desse modo, na linha do precedente da Corte Especial e outros precedentes do STJ, deve-se entender cabível a prorrogação do termo ad quem do prazo prescricional no caso. Precedentes citados: REsp 969.529-SC, Primeira Turma, DJe 17/3/2008; e REsp 167.413-SP, Primeira Turma, DJ 24/8/1998. REsp 1.446.608-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/10/2014.
No caso em que companhia aérea, além de atrasar desarrazoadamente o voo de passageiro, deixe de atender aos apelos deste, furtando-se a fornecer tanto informações claras acerca do prosseguimento da viagem (em especial, relativamente ao novo horário de embarque e ao motivo do atraso) quanto alimentação e hospedagem (obrigando-o a pernoitar no próprio aeroporto), tem-se por configurado dano moral indenizável in re ipsa, independentemente da causa originária do atraso do voo. Inicialmente, cumpre destacar que qualquer causa originária do atraso do voo – acidente aéreo, sobrecarga da malha aérea, condições climáticas desfavoráveis ao exercício do serviço de transporte aéreo etc. – jamais teria o condão de afastar a responsabilidade da companhia aérea por abusos praticados por ela em momento posterior, haja vista tratar-se de fatos distintos. Afinal, se assim fosse, o caos se instalaria por ocasião de qualquer fatalidade, o que é inadmissível. Ora, diante de fatos como esses – acidente aéreo, sobrecarga da malha aérea ou condições climáticas desfavoráveis ao exercício do serviço de transporte aéreo –, deve a fornecedora do serviço amenizar o desconforto inerente à ocasião, não podendo, portanto, limitar-se a, de forma evasiva, eximir-se de suas responsabilidades. Além disso, considerando que o contrato de transporte consiste em obrigação de resultado, o atraso desarrazoado de voo, independentemente da sua causa originária, constitui falha no serviço de transporte aéreo contratado, o que gera para o consumidor direito a assistência informacional e material. Desse modo, a companhia aérea não se libera do dever de informação, que, caso cumprido, atenuaria, no mínimo, o caos causado pelo infortúnio, que jamais poderia ter sido repassado ou imputado ao consumidor. Ademais, os fatos de inexistir providência quanto à hospedagem para o passageiro, obrigando-o a pernoitar no próprio aeroporto, e de não ter havido informações claras quanto ao prosseguimento da viagem permitem aferir que a companhia aérea não procedeu conforme as disposições do art. 6º do CDC. Sendo assim, inexiste na hipótese caso fortuito, que, caso existisse, seria apto a afastar a relação de causalidade entre o defeito do serviço (ausência de assistência material e informacional) e o dano causado ao consumidor. No caso analisado, reputa-se configurado o dano moral, porquanto manifesta a lesão injusta a componentes do complexo de valores protegidos pelo Direito, à qual a reparação civil é garantida por mandamento constitucional, que objetiva recompor a vítima da violação de seus direitos de personalidade (art. 5º, V e X, da CF e art. 6º, VI, do CDC). Além do mais, configurado o fato do serviço, o fornecedor responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores, nos termos do art. 14 do CDC. Sendo assim, o dano moral em análise opera-se in re ipsa, prescindindo de prova de prejuízo. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.410.645-BA, Terceira Turma, DJe 7/11/2011; e AgRg no REsp 227.005-SP, Terceira Turma, DJ 17/12/2004. REsp 1.280.372-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/10/2014.
Contratado apenas o seguro de acidentes pessoais (garantia por morte acidental), não há falar em obrigação da seguradora em indenizar o beneficiário quando a morte do segurado decorre de causa natural, a exemplo da doença conhecida como Acidente Vascular Cerebral (AVC). Inicialmente, é necessário fazer a distinção entre seguro de vida e seguro de acidentes pessoais. No primeiro, a cobertura de morte abrange causas naturais e também causas acidentais; já no segundo, apenas os infortúnios causados por acidente pessoal são garantidos, como, por exemplo, a morte acidental. Nesse passo, importante diferenciar também os conceitos de morte acidental e de morte natural para fins securitários. A morte acidental evidencia-se quando o falecimento da pessoa decorre de acidente pessoal, sendo este – de acordo a Resolução CNSP 117/2004 – definido como um evento súbito, exclusivo e diretamente externo, involuntário e violento. Já a morte natural configura-se por exclusão, ou seja, por qualquer outra causa, como as doenças em geral, que são de natureza interna, a exemplo do Acidente Vascular Cerebral. Ressalte-se que, apesar dessa denominação – “acidente” –, o AVC é uma patologia, ou seja, não decorre de causa externa, mas de fatores internos e de risco da saúde da própria pessoa que levam à sua ocorrência. Dessa forma, sendo a morte do segurado decorrente de causa natural, desencadeada apenas por fatores internos à pessoa – como o AVC –, e tiver sido contratada apenas a garantia por morte acidental, não há falar em obrigação da seguradora em indenizar o beneficiário. REsp 1.443.115-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/10/2014.
O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher tem competência para julgar a execução de alimentos que tenham sido fixados a título de medida protetiva de urgência fundada na Lei Maria da Penha em favor de filho do casal em conflito. De fato, em se tratando de alimentos, a regra geral é de que serão fixados perante as varas de família. Ocorre que a Lei 11.340/2006, em seu artigo 14, estabelece que os “Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos [...] com competência cível e criminal, poderão ser criados [...] para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, sem especificar as causas que não se enquadrariam na competência cível desses juizados, nas hipóteses de medidas protetivas decorrentes de violência doméstica. Portanto, da literalidade da lei, é possível extrair que a competência desses juizados compreende toda e qualquer causa relacionada a fato que configure violência doméstica ou familiar e não apenas as descritas expressamente na referida lei. E assim é, não só em razão da lei, mas também em razão da própria natureza protetiva que ela carrega, ou seja, é a sua naturalia negotii. O legislador, ao editar a Lei Maria da Penha, o fez para que a mulher pudesse contar não apenas com legislação repressiva contra o agressor, mas também visando criar mecanismos céleres protetivos, preventivos e assistenciais a ela. Negar o direito à celeridade, postergando o recebimento de alimentos com alteração da competência para outro juízo, quando o especializado já os tenha fixado com urgência, seria o mesmo que abrir ensejo a uma nova agressão pelo sofrimento imposto pela demora desnecessária, geradora de imensa perplexidade, retrocessos inaceitáveis perante Direitos de Terceira Geração. Saliente-se que situação diversa seria a das Comarcas que não contem com Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, mas apenas com juízos criminais. Aí sim, estes teriam competência apenas para o julgamento de causas criminais, cabendo às Varas Cíveis ou de Família a fixação e julgamento dos alimentos. REsp 1.475.006-MT, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 14/10/2014.
O usufrutuário possui legitimidade e interesse para propor ação reivindicatória – de caráter petitório – com o objetivo de fazer prevalecer o seu direito de usufruto sobre o bem, seja contra o nu-proprietário, seja contra terceiros. A legitimidade do usufrutuário para reivindicar a coisa, mediante ação petitória, está amparada no direito de sequela, característica de todos os direitos reais, entre os quais se enquadra o usufruto, por expressa disposição legal (art. 1.225, IV, do CC). A ideia de usufruto emerge da consideração que se faz de um bem, no qual se destacam os poderes de usar e gozar ou usufruir, sendo entregues a uma pessoa distinta do proprietário, enquanto a este remanesce apenas a substância da coisa. Ocorre, portanto, um desdobramento dos poderes emanados da propriedade: enquanto o direito de dispor da coisa permanece com o nu-proprietário (ius abutendi), a usabilidade e a fruibilidade (ius utendi e ius fruendi) passam para o usufrutuário. Assim é que o art. 1.394 do CC dispõe que o “usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”. Desse modo, se é certo que o usufrutuário – na condição de possuidor direto do bem – pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário), também se deve admitir a sua legitimidade para a propositura de ações de caráter petitório – na condição de titular de um direito real limitado, dotado de direito de sequela – contra o nu-proprietário ou qualquer pessoa que obstaculize ou negue o seu direito. A propósito, a possibilidade de o usufrutuário valer-se da ação petitória para garantir o direito de usufruto contra o nu-proprietário, e inclusive erga omnes, encontra amparo na doutrina, que admite a utilização pelo usufrutuário das ações reivindicatória, confessória, negatória, declaratória, imissão de posse, entre outras. Precedente citado: REsp 28.863-RJ, Terceira Turma, DJ 22/11/1993. REsp 1.202.843-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/10/2014.
Nos contratos regidos pela Lei Ferrari (Lei 6.729/1979), ainda que não tenha sido celebrada convenção de marca dispondo sobre penalidades gradativas (art. 19, XV), é inválida cláusula que prevê a resolução unilateral do contrato como única penalidade para as infrações praticadas pela concessionária de veículos automotores. Isso porque o art. 19, XV – que prevê o regime de penalidades gradativas – e o art. 22, § 1º – que condiciona a resolução do contrato por iniciativa da parte inocente à prévia aplicação de penalidades gradativas – não contêm nenhuma ressalva quando ao momento em que produzirão efeitos, devendo-se concluir, com base no art. 6º da LINDB, que a eficácia é imediata. Entender que o § 1º do art. 22 seria inaplicável devido à inexistência da convenção da marca sobre as penalidades gradativas, prevista no art. 19, frustraria um dos principais objetivos da lei, que é impedir a resolução arbitrária do contrato. De fato, o art. 19, ao estabelecer que "celebrar-se-ão convenções da marca" para "estabelecer [...] o regime de penalidades gradativas", não excluiu a possibilidade de as partes pactuarem sobre essa matéria, enquanto não celebrada a convenção. Com efeito, ao prever uma convenção da marca sobre o regime de penalidades gradativas, esse dispositivo buscou garantir um tratamento uniforme das sanções contratuais a serem aplicadas a todas as concessionárias de uma mesma fabricante – e não suprimir a liberdade contratual. Noutro passo, como já exposto, o art. 22, § 1º, da Lei Ferrari condiciona a resolução do contrato por culpa à aplicação de penalidades gradativas. Ora, se o art. 19 não proíbe a pactuação de penalidades gradativas, o art. 22 praticamente exige que tais penalidades sejam pactuadas, pois elas passaram a ser etapa necessária para a resolução do contrato por culpa. O art. 22, § 1º, portanto, ao invés de ser "letra morta", é um mandamento direcionado aos fabricantes, no sentido de que incluam em seus contratos uma gradação de penalidades, uma vez que não mais se admite a resolução arbitrária do contrato. REsp 1.338.292-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 2/9/2014.
Nos contratos regidos pela Lei Ferrari (Lei 6.729/1979), não havendo convenção de marca (art. 19, XV) nem cláusulas contratuais válidas sobre penalidades gradativas, poderá o juiz decidir, em cada caso concreto, se a infração, ou sequência de infrações, é grave o suficiente para justificar a resolução do contrato, observado o caráter protetivo da referida Lei. O art. 19, XV, da Lei 6.729/1979 dispõe que se celebrarão convenções da marca para estabelecer normas e procedimentos relativos a regime de penalidades gradativas. O § 1º do artigo 22, por sua vez, condiciona a resolução do contrato por iniciativa da parte inocente à prévia aplicação de penalidades gradativas. Posto isso, esclarece-se que quando não há convenção da marca, nem cláusulas contratuais válidas sobre as penalidades gradativas, tem-se uma lacuna normativa. Havendo lacuna, cabe ao juiz supri-la, por força do art. 4º da LINDB. De fato, o juiz não pode substituir a vontade das partes e estabelecer as penalidades contratuais cabíveis. Porém, considerando que o objetivo das penalidades gradativas é impedir a resolução arbitrária do contrato, pode o juiz atender a esse objetivo da lei, decidindo, em cada caso concreto, se a infração, ou sequência de infrações, é grave o suficiente para justificar a resolução do contrato, observado o caráter protetivo da Lei Ferrari. REsp 1.338.292-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 2/9/2014.
Uma patente pipeline concedida no exterior e revalidada no Brasil não pode ser anulada ao fundamento de falta de um dos requisitos de mérito do art. 8º da Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial – LPI), mas apenas por ausência de requisito especificamente aplicável a ela (como, por exemplo, por falta de pagamento da anuidade no Brasil) ou em razão de irregularidades formais. Da leitura dos arts. 230 e 231 da LPI e de acordo com doutrina especializada, uma vez concedida a patente pipeline por outra jurisdição, ela não poderá ser anulada invocando-se a ausência de um dos requisitos de mérito previstos no art. 8º da LPI para a concessão das patentes ordinárias (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial). Precedentes citados: REsp 1.145.637-RJ, Terceira Turma, DJe 8/2/2010; e REsp 1.092.139-RJ, Terceira Turma, DJe 4/11/2010. REsp 1.201.454-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/10/2014.
É lícita a propaganda comparativa entre produtos alimentícios de marcas distintas e de preços próximos no caso em que: a comparação tenha por objetivo principal o esclarecimento do consumidor; as informações veiculadas sejam verdadeiras, objetivas, não induzam o consumidor a erro, não depreciem o produto ou a marca, tampouco sejam abusivas (art. 37, § 2º, do CDC); e os produtos e marcas comparados não sejam passíveis de confusão. Com efeito, a propaganda comparativa é a forma de publicidade que identifica explícita ou implicitamente concorrentes de produtos ou serviços afins, consagrando-se, em verdade, como um instrumento de decisão do público consumidor. Embora não haja lei vedando ou autorizando expressamente a publicidade comparativa, o tema sofre influência das legislações consumerista e de propriedade industrial nos âmbitos marcário e concorrencial. Pelo prisma dos arts. 6º, III e IV, 36 e 37, do CDC, a publicidade comparativa não é vedada, desde que obedeça ao princípio da veracidade das informações, seja objetiva, e não seja abusiva. Segundo entendimento doutrinário, para que a propaganda comparativa viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com ato depreciativo da imagem de seu produto, acarretando a degenerescência e o consequente desvio de clientela. Além do mais, a doutrina também ensina que a tendência atual é no sentido de permitir a publicidade comparativa, desde que: a) o seu conteúdo seja objetivo – isto é, que se mostre sem enganosidade ou abusividade, confrontando dados e características essenciais e verificáveis (que não sejam de apreciação exclusivamente subjetiva) –, não se admitindo a comparação que seja excessivamente geral; b) não seja enganosa (no sentido de possibilitar a indução em erro dos consumidores e destinatários da mensagem); c) não veicule informação falsa em detrimento do concorrente; e d) distinga de modo claro as marcas exibidas, sem dar ensejo a confusão entre os destinatários da mensagem e sem contribuir para a degenerescência de marca notória. De mais a mais, a Resolução 126/1996, III, do Mercosul e o art. 32 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) também mencionam, como limite à propaganda comparativa – além do fato de não se poder estabelecer confusão entre os produtos ou marcas e de não ser permitido denegrir o objeto da comparação – que o seu principal objetivo seja o esclarecimento da informação ao consumidor. Além disso, a jurisprudência do STJ já se pronunciou no sentido de que a finalidade da proteção ao uso das marcas – garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF e regulamentada pelo art. 129 da LPI – é dupla: por um lado a protege contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evita que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (REsp 1.105.422-MG, Terceira Turma, DJe 18/5/2011; e REsp 1.320.842-PR, Quarta Turma, DJe 1/7/2013). Entender de modo diverso seria impedir a livre iniciativa e a livre concorrência (arts. 1º, IV, 170, caput, e IV, da CF), ensejando restrição desmedida à atividade econômica e publicitária, o que implicaria retirar do consumidor acesso às informações referentes aos produtos comercializados e o poderoso instrumento decisório, não sendo despiciendo lembrar que o direito da concorrência tem como finalidade última o bem-estar do consumidor. REsp 1.377.911-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/10/2014.
É nula a notificação extrajudicial realizada com o fim de constituir em mora o devedor fiduciante de imóvel, quando na referida comunicação constar nome diverso do real credor fiduciário. A notificação em questão (art. 26 da Lei 9.514/1997), para além das consequências naturais da constituição do devedor fiduciante em mora, permite, em não havendo a purgação da mora, o surgimento do direito de averbar na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade em nome do credor notificante, isto é, do fiduciário. Justamente por isso que a referida notificação/intimação do devedor fiduciante possui requisitos especiais que, se não seguidos, acarretam sua nulidade. Desse modo, a repercussão da notificação é tamanha que qualquer vício em seu conteúdo é hábil a tornar nulos seus efeitos, principalmente quando se trata de erro crasso, como há na troca da pessoa notificante. REsp 1.172.025-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/10/2014.
Em pedido de falência requerido com fundamento na impontualidade injustificada (art. 94, I, da Lei 11.101/2005), é desnecessária a demonstração da insolvência econômica do devedor, independentemente de sua condição econômica. Os dois sistemas de execução por concurso universal existentes no direito pátrio – insolvência civil e falência –, entre outras diferenças, distanciam-se um do outro no tocante à concepção do que seja estado de insolvência, necessário em ambos. O processo de insolvência civil apoia-se no pressuposto da insolvência econômica, que consiste na presença de ativo deficitário para fazer frente ao passivo do devedor, nos termos do art. 748 do CPC: “Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”. O sistema falimentar, ao contrário, não tem alicerce na insolvência econômica. O pressuposto para a instauração de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico. No direito brasileiro, caracteriza a insolvência jurídica, nos termos do art. 94 da Lei 11.101/2005, a impontualidade injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III). Nesse sentido, a insolvência que autoriza a decretação de falência é presumida, uma vez que a lei decanta a insolvência econômica de atos caracterizadores da insolvência jurídica, pois se presume que o empresário individual ou a sociedade empresária que se encontram em uma das situações apontadas pela norma estão em estado pré-falimentar. É bem por isso que se mostra possível a decretação de falência independentemente de comprovação da insolvência econômica. REsp 1.433.652-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/9/2014.
Diante de depósito elisivo de falência requerida com fundamento na impontualidade injustificada do devedor (art. 94, I, da Lei 11.101/2005), admite-se, embora afastada a decretação de falência, a conversão do processo falimentar em verdadeiro rito de cobrança para apurar questões alusivas à existência e à exigibilidade da dívida cobrada, sem que isso configure utilização abusiva da via falimentar como sucedâneo de ação de cobrança/execução. Com efeito, o referido uso abusivo da via falimentar tem sido uma preocupação tanto da lei quanto da jurisprudência, ainda na vigência do Decreto-Lei 7.661/1945 (antiga Lei de Falências). De um modo geral, entendia-se que “o processo de falência não deve ser desvirtuado para servir de instrumento de coação para a cobrança de dívidas. Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da empresa, o seu requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a pretensão do credor seja tão somente a satisfação do seu crédito” (REsp 136.565-RS, Quarta Turma, DJ 14/6/1999). Nesse particular, é de se ter em mente que, diferentemente da Lei 11.101/2005 (art. 94, I), o sistema disciplinado pelo Decreto-Lei 7.661/1945 não estabelecia valor mínimo para que o credor ajuizasse pedido de falência do devedor com base na impontualidade injustificada. Tal circunstância propiciava pedidos de falência apoiados em valores de somenos importância, sugestivos, deveras, de mera substituição do processo de execução/cobrança pelo falimentar. No sistema antigo, por não haver parâmetro legal seguro para abortar essas empreitadas, ficou a cargo da jurisprudência obstar o abuso no exercício do direito de pleitear a quebra do devedor. Porém, a anomia anterior quanto a critérios de aferição do abuso foi colmatada com a edição da Lei de Falências atual, tendo esta previsto o valor de 40 salários mínimos como piso a justificar o pedido de falência com fulcro na impontualidade injustificada. Com efeito, a questão do abuso ou da substituição da cobrança por falência há de ser vista sob o enfoque da nova Lei de Falências. Os pedidos de falência por impontualidade de dívidas aquém desse piso são legalmente considerados abusivos, e a própria lei encarrega-se de embaraçar o atalhamento processual, pois elevou tal requisito à condição de procedibilidade da falência (art. 94, I). Porém, superando-se esse valor, a ponderação legal já foi realizada segundo a ótica e prudência do legislador. Assim, não cabe ao Judiciário obstar pedidos de falência que observaram os critérios estabelecidos pela lei, a partir dos quais o legislador separou as situações já de longa data conhecidas, de uso controlado e abusivo da via falimentar. Portanto, tendo o pedido de falência sido aparelhado em impontualidade injustificada de títulos que superam o piso legal de 40 salários mínimos (art. 94, I, da Lei 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada a alegação de atalhamento do processo de execução pela via falimentar, devendo a ação prosseguir, mesmo que seja sob o rito de mera cobrança, tendo em vista o depósito elisivo efetuado com o propósito de afastar a possibilidade de decretação da quebra (art. 98, parágrafo único). Precedente citado: REsp 604.435-SP, Terceira Turma, DJ 1º/2/2006. REsp 1.433.652-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/9/2014.
A invalidez permanente decorrente de acidente com máquina colheitadeira, ainda que ocorra no exercício de atividade laboral, não deverá ser coberta pelo seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT) se o veículo não for suscetível de trafegar por via pública. O STJ entende que a caracterização do infortúnio como acidente de trabalho, por si só, não afasta a cobertura do seguro obrigatório (DPVAT) e que os sinistros que envolvam veículos agrícolas também podem estar cobertos por ele. O trator – "veículo automotor construído para realizar trabalho agrícola, de construção e pavimentação e tracionar outros veículos e equipamentos" (Anexo I do CTB) – pode ser entendido como gênero do qual a colheitadeira pode ser considerada uma espécie. No entanto, para fins de indenização pelo DPVAT, não é sempre que a colheitadeira pode ser enquadrada como trator. É bem verdade que, apesar de não se exigir que o acidente ocorra em via pública, o veículo automotor deve ser, ao menos em tese, suscetível de circular por essas vias. Isto é, caso a colheitadeira, em razão de suas dimensões e peso, jamais venha a preencher os requisitos normativos para fins de tráfego em via pública (só podendo ser transportada em caminhão), não há como reconhecer a existência de fato gerador de sinistro protegido pelo seguro DPVAT, apesar de se tratar de veículo automotor. Contudo, não há como negar que existem pequenas colheitadeiras de grãos que, em razão de suas medidas, seriam plenamente capazes de circular nas estradas, nos moldes de um trator convencional, enquadrando-se nas exigências para circulação em via terrestre da Resolução 210/2006 do CONTRAN. REsp 1.342.178-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/10/2014.
O habeas corpus não é o instrumento cabível para questionar a imposição de pena de suspensão do direito de dirigir veículo automotor. Isso porque a pena de suspensão do direito de dirigir veículo automotor não acarreta, por si só, qualquer risco à liberdade de locomoção, uma vez que, caso descumprida, não pode ser convertida em reprimenda privativa de liberdade, tendo em vista que inexiste qualquer previsão legal nesse sentido. Desse modo, inexistindo qualquer indício de ameaça de violência ou constrangimento à liberdade de ir e vir do paciente, revela-se inadequada a via do habeas corpus para esse fim. Precedentes citados do STJ: HC 172.709-RJ, Sexta Turma, DJe 6/6/2013; HC 194.299-MG, Quinta Turma, DJe 17/4/2013; e HC 166.792-SP, Quinta Turma, DJe 24/11/2011. Precedente citado do STF: HC 73.655-GO, Primeira Turma, DJ 13/9/1996. HC 283.505-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/10/2014.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 550 do STJ - 2014 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/41755/informativo-550-do-stj-2014. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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